Vimos, caro(a) aluno(a), na unidade anterior, que o objetivo principal da linguagem é estabelecer a comunicação. Nesta unidade, estudaremos, mais especificamente, a relação entre a linguagem e a comunicação, os elementos envolvidos nesse processo e o que é necessário para mantermos uma comunicação com qualidade e êxito.
A partir desse objetivo, a presente unidade iniciará tratando da linguagem e da competência linguística, da linguagem e da comunicação e do processo da comunicação, explorando, ainda, as funções da linguagem.
Em seguida, abordaremos a argumentação, a compreensão e a interpretação, que são elemento que se ligam no momento da comunicação. A qualidade na comunicação também será abordada, trazendo a definição dos ruídos da comunicação que comprometem essa qualidade.
Finalizaremos este estudo contemplando a variação linguística - considerando os diferentes tipos de variação - e a importância da norma padrão para nós.
Diferentes períodos históricos apresentam diversificadas maneiras de descrever e interpretar a linguagem. Noam Chomsky foi um dos estudiosos que se dedicou a compreender as características da língua e da linguagem, dando início a uma vertente linguística denominada gerativismo. Para essa vertente, a linguagem é uma capacidade inata do ser humano, e a língua é uma “faculdade mental natural” (KENEDY, 2012, p. 129). Dessa forma, os sujeitos já nascem com uma capacidade biológica para se comunicarem. Podemos observar essa característica, de acordo com Chomsky, quando as crianças elaboram construções que não foram expressas anteriormente por nenhum adulto.
Nesse sentido, Chomsky
define a língua como um infinito de frases. Esse “infinito” dá à definição de língua um caráter aberto, dinâmico, criativo. Não se trata, entretanto, de qualquer criatividade, mas de uma criatividade governada por regras. A língua não se define só pelas frases existentes mas também pelas possíveis, aquelas que se pode criar a partir de regras. Os falantes interiorizam um sistema de regras que os torna aptos a produzir frases, mesmo as que nunca foram ouvidas, mas que são possíveis na língua (ORLANDI, 2006, p. 39-40).
A partir disso, compreendemos que, para a visão gerativa, há, na mente dos falantes, um sistema de regras, que os permite entender e elaborar diferentes sequências linguísticas. Nessa proposta, a língua é considerada sob dois vieses que se complementam: interior e exterior, denominados por Chomsky, respectivamente, como língua-I e língua-E. A língua-I é a presente na mente do indivíduo, que já a conhece, é aquela que é adquirida e usada por ele; a língua-E diz respeito à empregada pela comunidade linguística que pretende se comunicar. Em síntese, a língua-I é a competência linguística de cada indivíduo, e a língua-E refere-se ao desempenho linguístico.
Nas palavras de Kenedy (2013, p. 54-55), a competência está relacionada à capacidade individual de elaborar “e compreender expressões linguísticas compostas pelos códigos da língua-E”. Ou seja, todo indivíduo tem biologicamente a capacidade de entender e manifestar a língua empregada pela comunidade linguística da qual faz parte. Essa capacidade se manifesta em diversos contextos: na fala, na audição, na escrita, na leitura e, inclusive, no silêncio, uma vez que ela está abrigada na mente de cada um.
Assim, todos temos uma competência linguística que se torna ativa no momento que entramos em uma conversa, quando nos comunicamos por meio da língua-E. Percebemos, então, que o ser humano tem a competência de gerar, compreender e reproduzir diversas manifestações comunicativas na comunidade linguística da qual participa. Logo, um dos propósitos da linguagem e da competência linguística é a comunicação. Exploraremos, a seguir, a relação entre a linguagem e a comunicação.
Como vimos no tópico anterior, para que a comunicação se concretize, é necessário o desenvolvimento da linguagem, tanto verbal quanto não verbal. Na literatura linguística, muitos autores se dedicaram a explicar o funcionamento dessa linguagem. Nos estudos desenvolvidos por Geraldi (1984), por exemplo, observamos a caracterização de três concepções de linguagem: como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como forma de interação.
Grosso modo, a concepção de linguagem como expressão do pensamento entende que é na mente que se dá a formação da expressão, o que é exteriorizado, por meio da linguagem, é somente uma tradução. Sendo assim, a “enunciação é um ato monológico, individual, que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a enunciação acontece” (TRAVAGLIA, 1996, p. 21). Pode-se pensar, a partir disso, que há uma maneira certa de expressão, privilegiando a norma padrão culta da linguagem (FUZA; OHUSCHI; MENEGASSI, 2011).
A concepção de linguagem como instrumento de comunicação interpreta a linguagem como um código, “ou seja, um conjunto de signos que se combinam segundo regras e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um emissor a um receptor" (TRAVAGLIA, 1996, p. 22). Dessa forma, o objetivo da linguagem é transmitir uma mensagem, por meio da variedade linguística padrão (FUZA; OHUSCHI; MENEGASSI, 2011).
A terceira maneira de conceber a linguagem parte de uma perspectiva dialógica e considera que “as situações ou ideias do meio social são responsáveis por determinar como será produzido o enunciado”. Assim, a linguagem é um processo de interação entre o sujeito e o meio social do qual faz parte, o que permite que as condições sociais influenciem a construção da expressão (FUZA; OHUSCHI; MENEGASSI, 2011, p. 489).
Podemos observar, então, que, embora essas concepções e esses modos de ver a linguagem sejam, de certo modo, dicotômicos e impliquem em diferentes formas de ensinar e compreender a língua e a comunicação, de modo geral, no processo de uso da língua, estão envolvidos sujeitos, leitor, interlocutor, texto (oral ou escrito), ambiente etc. Esses elementos caracterizam o processo comunicativo, melhor abordado na concepção de linguagem como instrumento de comunicação, foco do nosso próximo tópico.
Sabemos, caro(a) aluno(a), que o ser humano se constitui socialmente, por meio de interações sócio-históricas-ideológicas. Dessa forma, está sempre se comunicando, tanto de forma oral quanto escrita. Nesse processo comunicativo, junto com aquele que emite uma mensagem, outros elementos estão envolvidos, como o receptor (aquele para quem a mensagem é enviada) e a mensagem a ser enviada/recebida.
A construção da estrutura comunicativa foi estudada e descrita por Roman Jakobson. O pesquisador esquematiza todos os fatores envolvidos na comunicação da seguinte maneira:
Observa-se, no esquema, que, de um modo geral, o processo comunicativo inicia-se com o remetente, também chamado de emissor, que, como antecipamos, é responsável por enviar uma mensagem, a qual será recebida pelo destinatário, ou receptor. Para que essa mensagem possa ser compreendida, remetente e destinatário precisam compartilhar o mesmo código, ou seja, o sistema linguístico utilizado precisa ser comum a ambos. Imaginemos, por exemplo, um brasileiro (remetente) tentando entrar em contato (mensagem) com um coreano (destinatário) que não domina o sistema linguístico da língua portuguesa. É fácil concluir que essa mensagem não terá êxito na recepção, não sendo, de fato, compreendida.
A transmissão dessa mensagem, então, dependerá, ainda, do meio pelo qual ela será enviada (canal) e da situação comunicativa, bem como dos objetos reais envolvidos no processo (contexto). O canal caracteriza-se por ser um meio “físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário”, que permite a eles “entrarem e permanecerem em comunicação” (JAKOBSON, 2003, p. 123). Segundo Martelotta (2012, p. 33), na comunicação face a face, o ar pode ser considerado o canal, pois através dele, “as ondas sonoras se propagam” e a mensagem chega ao destino. Já na comunicação a distância, os canais podem ser o telefone, as faixas de frequência de rádio, o e-mail, aplicativos de mensagem de texto etc.
O contexto, por sua vez, envolve “todas as informações referentes às condições de produção da mensagem: o emissor, o destinatário, o tipo de relação existente entre eles, o local e a situação em que a mensagem é proferida” (MARTELOTTA, 2012, p. 32-33). Para entendermos o funcionamento desse fator, observemos a figura a seguir:
Notamos, na Figura 2.2, que há dois sentidos possíveis para mensagem inicial (“Vendo pôr do sol”) transmitida pelo remetente, que se instauram em virtude de o vocábulo “vendo” poder se referir ao gerúndio tanto do verbo “ver” quanto do verbo “vender”. Para que se compreenda a qual dos verbos a mensagem diz respeito, a situação comunicativa é essencial, pois desfaz a ambiguidade (atestando que “vendo” refere-se a ver) e leva o destinatário a compreender a informação (de que o remetente está “olhando/apreciando” o pôr do sol). Em síntese, “conhecer um conjunto de informações que vai além, desde elementos relacionados ao momento da produção dessa mensagem até dados referentes ao conhecimento do assunto em pauta” (MARTELOTTA, 2012, p. 32-33), é fundamental para que o processo comunicativo se efetive.
É importante ressaltar que esses elementos são a base do processo comunicativo, mas não são garantias de que a comunicação sempre terá sucesso, ou seja, as pessoas envolvidas nesse processo carregam valores ideológicos e crenças particulares, que nem sempre coincidem, logo, embora a mensagem passe por todo o percurso, ela pode não ser compreendida, pode receber resistência de uma das partes em aceitá-la, o que interromperia o fluxo, dentre outras situações que podem estar envolvidas. Assim, é importante que haja uma cooperação entre remetente e destinatário, além de “algum tipo de interesse comum que crie uma conexão psicológica entre os participantes, sem a qual a comunicação seria prejudicada” (MARTELOTTA, 2012, p. 32-33). Estudaremos as nuances desse processo comunicativo em tópicos posteriores.
Jakobson (2003) propõe que cada um desses elementos efetiva uma função específica para a linguagem. Caracterizam-se, assim, seis funções da linguagem, as quais exploraremos na seção seguinte.
O uso das palavras relaciona-se, em todo processo comunicativo, aos usuários da língua e às situações concretas da comunicação. Dessa forma, a linguagem, em sua manifestação real, tem, a todo tempo, uma função específica, que direciona/orienta/envolve a construção e a interpretação da mensagem. Cada função manifestada pela linguagem, então, diz respeito a um elemento comunicativo específico, como sintetizado no esquema a seguir.
Quadro 2.1 – Funções da linguagem e seus elementos correspondentes
Fonte: adaptada de Jakobson (2003).
É importante ressaltar que, nas mensagens, há o predomínio de uma função, mas isso não pressupõe a existência exclusiva desta. Várias funções podem fazer parte de uma mesma mensagem, uma vez que o usuário da língua pode usar diversos recursos para efetuar a comunicação. Assim, apesar de distinguirmos “seis aspectos básicos da linguagem, dificilmente lograríamos, contudo, encontrar mensagens verbais que preenchessem uma única função”, logo, a “diversidade reside não no monopólio de alguma dessas funções, mas numa diferente ordem hierárquica de funções” (JAKOBSON, 2003, p. 123). Conheceremos, agora, as especificidades de cada função.
Como visto no Quadro 2.1, quando a mensagem enfoca o remetente, caracteriza-se a função emotiva, que prioriza os sentimentos, as emoções, as opiniões e os pensamentos desse sujeito. Por esse motivo, as mensagens com predomínio dessa função fazem uso da primeira pessoa, especialmente do singular.
O uso constante de palavras que expressem sensações, emoções e estado de espírito do remetente (as interjeições), assim como o de termos que marquem o posicionamento, o julgamento ou o juízo de valor dele (expressos, geralmente, por adjetivos) e de sinais de pontuação (por exemplo, exclamação e reticências) são algumas particularidades da construção dessa função.
Em síntese, a função emotiva “visa a uma expressão direta da atitude de quem fala em relação àquilo de que se está falando” (JAKOBSON, 2003, p. 123-124). Ela é mais presente em músicas, biografias e diários. Observemos o exemplo a seguir para compreendermos melhor o funcionamento dessa função.
Agora euquero ir – Anavitória
Encontrei descanso em você
Me arquitetei, me desmontei
Enxerguei verdade em você
Me encaixei, verdade eu dei
Fui inteira e só pra você
Eu confiei, nem despertei
Silenciei meus olhos por você
Me atirei, precipitei
E agora...
Agora eu quero ir
Pra me reconhecer de volta
Pra me reaprender e me apreender de novo
Quero não desmanchar com teu sorriso bobo
Quero me refazer longe de você
Fiz de mim descanso pra você
Te decorei, te precisei
Tanto que esqueci de me querer
Testemunhei o fim do que era agora
(...)
Eu que sempre quis acreditar
Que sempre acreditei que tudo volta
Nem me perguntei como voltar nem porque
(...)
Na letra da música “Agora eu quero ir”, constata-se o uso de pronome pessoal de primeira pessoa do singular (eu), de pronome oblíquo átono de primeira pessoa do singular (me), de pronome oblíquo tônico de primeira pessoa do singular (mim), de pronome possessivo de primeira pessoa do singular (meu). Além disso, é frequente a presença de verbos conjugados na primeira pessoa do singular (encontrei, quero etc.). Toda essa construção contribui para formar a subjetividade do eu lírico, que demonstra seus sentimentos, o que pensa e quer para a sua vida. Nota-se, ainda, que há marcas de destinatário (você, te etc.), que é para quem toda a emoção expressa na letra é dirigida. Nesse exemplo, esse destinatário está em segundo plano; quando ele é o foco, temos a função conativa.
Influenciar as atitudes do destinatário é o objetivo principal da função conativa, que coloca esse receptor como foco de sua mensagem. Busca-se, assim, convencer ou influenciar o outro, por meio de uma linguagem apelativa. Nesse sentido, o chamamento, a ordem, a sugestão, o pedido etc. são características da construção das mensagens. Por isso, a segunda pessoa do discurso é mais utilizada nessa função, a qual tem “sua expressão gramatical mais pura no vocativo e no imperativo”.
Mensagens com essas características são vistas, de modo mais frequente, em propagandas, que têm função de convencer o destinatário a comprar determinado produto ou a se comover com determinada situação, por exemplo, como vemos na imagem a seguir.
Ao interpretarmos o outdoor da Figura 2.3, notamos que o intuito da mensagem transmitida é “impressionar” o receptor, fazendo-o pensar a respeito da relação bebida alcoólica versus direção. Para isso, faz uso de uma linguagem imperativa, que pretende assustar e comover quem a lê (o destinatário); além disso, no fim, faz um apelo, em tom de ordem (Não vacile no trânsito), marcado pelo verbo conjugado no imperativo, que firma, de fato, a intenção de atingir o outro e de fazê-lo mudar de atitude, passando a não beber e dirigir. Por meio dessa mensagem, podemos ver o funcionamento da função conativa.
Jakobson (2003, p. 123) afirma que, embora cada texto tenha a sua função predominante, ter uma orientação para o contexto é “tarefa dominante de numerosas mensagens”. Dessa forma, a função referencial caracteriza-se por enfocar o conteúdo, o assunto da mensagem, fazendo “referência a acontecimentos, fatos, pessoas, animais ou coisas, com o objetivo de transmitir informações” (MAIA, 2005, p. 33), de forma imparcial e neutra. Para isso, faz uso de linguagem objetiva, clara e sem ambiguidade, com a presença predominante da terceira pessoa do singular. Textos científicos, acadêmicos e jornalísticos (que não expressam opinião, apenas divulgam a notícia) são exemplos de mensagens com essa função, como vemos a seguir:
Em nono corte seguido, BC reduz juro para 7,5% ao ano, perto do piso histórico
Selic recua ao menor patamar desde abril de 2013, ou seja, em pouco mais de quatro anos. Mercado estima que taxa terá nova queda em dezembro, para 7% ao ano.
Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central anunciou nesta quarta-feira (25) a redução da taxa básica de juros da economia brasileira de 8,25% para 7,5% ao ano.
Esse foi o nono corte consecutivo na Selic, o que levou a taxa ao menor patamar desde abril de 2013, ou seja, em pouco mais de quatro anos. A queda de 0,75 ponto percentual já era amplamente esperada pelos economistas do mercado financeiro.
A decisão desta quarta marca a redução no ritmo de corte dos juros, que havia sido de 1 ponto percentual nos últimos quatro encontros do Copom. O próprio BC já havia indicado que essa desaceleração aconteceria.
Fonte: MARTELLO, Alexandro. Em nono corte seguido, BC reduz juro para 7,5% ao ano, perto do piso histórico. 25 out. 2017. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/bc-reduz-juro-basico-para-75-ao-ano-na-9-queda-seguida-perto-do-piso-historico.ghtml>. Acesso em: 25 out. 2017.
Observamos, caro(a) aluno(a), que o propósito do texto é informar uma notícia sem apresentar um juízo de valor em relação ao conteúdo explorado, apenas expondo informações de forma neutra. Não há, então, marcas de remetente, e o foco está na informação de dados e decisões do Selic, caracterizando a função referencial.
Com foco na mensagem, a função poética busca explorar o modo como essa mensagem é construída e articulada. Assim, “realça a elaboração da mensagem e caracteriza-se pela criatividade da linguagem” (MAIA, 2005, p. 33). Objetiva explorar a palavra e a sua materialidade, mostrando os “recursos imaginativos criados pelo emissor”. Essa função é, então, “afetiva, sugestiva, conotativa, ela é metafórica. É a linguagem figurada presente em obras literárias, em letras de música, em algumas propagandas, na fala fantasiosa de crianças” (PASCHOALIN; SPADOTO, 2010, p. 442). Nessas construções, o uso de figuras de linguagem também é muito frequente. Para compreendermos melhor o funcionamento da função poética, observemos o texto a seguir.
Essa imagem retrata um poema concreto, produzido por Augusto de Campos. Observamos que, mais do que a mensagem transmitida (de que o luxo é um lixo), o foco do texto está no modo como essa mensagem é construída, por meio: da repetição da palavra luxo, que, na exposição, forma a palavra lixo; também, da semelhança entre a grafia das duas palavras, que só se diferenciam pela troca de duas vogais, o que dá a sonoridade do poema. Em síntese, há um jogo entre o sentido particular de cada palavra e a disposição visual delas, que leva à compreensão da mensagem e caracteriza a predominância da função poética.
Vimos que, nas mensagens em que há o predomínio da função poética, o aparecimento de figuras de linguagem é comum, que são recursos utilizados na comunicação para deixar a mensagem mais persuasiva e significativa. Para conhecer melhor as características e o funcionamento de algumas figuras de linguagem mais comuns, assista ao vídeo do Professor Noslen, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=n0e75nRstcU>. Acesso em: 20 out. 2017.
A função fática caracteriza-se quando o foco da comunicação está no canal. De acordo com Jakobson (2003, p. 126), as mensagens com o predomínio dessa função “servem fundamentalmente para prolongar ou interromper a comunicação, para verificar se o canal funciona (...), para atrair a atenção do interlocutor ou confirmar sua atenção continuada”. Desse modo, não só os signos linguísticos estão envolvidos na comunicação, mas gestos (como balançar a cabeça afirmativa ou negativamente, levantar o polegar, dentro outros), sons não significativos etc. também constituem a mensagem. Um exemplo de função fática é visto na figura a seguir.
Observamos que, no diálogo, um personagem testa o canal comunicativo, para conferir se a mensagem está sendo transmitida corretamente por meio dele. A resposta da outra personagem apenas atesta que o canal está funcionando. Além de testar o canal, a função fática tem os propósitos de: iniciar a comunicação (“Olá”, “Bom dia”), prolongar a comunicação (“E aí?” “Como foi?” “Continua...”), evitar o silêncio (“Está frio, hoje, não é?”, “Parece que vai chover...”), confirmar a comunicação (“Ok.”, “Entendido”) e interromper a comunicação (“Aguarde um momento”, “Até breve”).
Quando o foco da mensagem está no próprio código, há a função metalinguística. Código, segundo Chalhub (2002, p. 48), é definido como um “sistema de símbolos com significação fixada, convencional, para representar e transmitir a organização dos seus sinais na mensagem, circulando pelo canal entre a emissão e a recepção”. Assim, o uso do código para explicar o próprio código caracteriza a metalinguagem. Veja o exemplo:
Poesia
Carlos Drummond de Andrade
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Fonte: CASTELLI Jr., Walther. Modernismo e idiossincrasia na poesia de Carlos Drummond de Andrade. Unicamp. Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/m00010.htm>. Acesso em: 28 out. 2017.
Observamos que Carlos Drummond usa o poema para falar a respeito da dificuldade de dar forma à poesia. Por meio do modo escrito da linguagem (utilizando a língua portuguesa como signo), o poeta expõe o que sente em relação ao escrever poesia, ao fazer poético. A construção do poema leva o interlocutor a sentir as angústias do escritor ao compor os versos, que não “saem”. Em síntese, há, nessa mensagem, o predomínio da metalinguagem, em que a linguagem é usada para falar dela mesma. Esse tipo de construção é comum no cotidiano, por exemplo, quando consultamos um dicionário para compreender o sentido de determinada palavra, quando, por meio da língua portuguesa, explicamos algo relacionado ao funcionamento dessa língua, enfim, todas as vezes em que utilizamos o código combinando elementos que se voltem para o próprio código.
Vimos, prezado(a) aluno(a), que a mensagem a ser transmitida sempre tem um intuito: falar das emoções, convencer o outro, dar ênfase ao assunto, explorar os mecanismos de construção dessa mensagem, testar o canal comunicativo, explicar o próprio código etc.; tudo isso compõe e instaura o funcionamento da linguagem. Para que haja uma compreensão dessa mensagem, portanto, os envolvidos no processo comunicativo precisam interpretar a argumentação envolvida na construção do texto. A partir de agora, entenderemos melhor como se manifestam e se caracterizam esses três elementos: compreensão, interpretação e argumentação.
Como vimos até aqui, a linguagem cumpre, no processo comunicativo, diferentes funções. O objetivo principal dela é proporcionar a comunicação. De acordo com Chiavenato (2006, p. 127-128), a comunicação acontece “quando uma informação é transmitida a alguém, e é então compartilhada também por esse alguém”; para que, de fato, ela ocorra, precisa-se de “que o destinatário da informação receba-a e compreenda-a. A informação simplesmente transmitida – mas não recebida – não foi comunicada. Comunicar significa tornar comum a uma ou mais pessoas determinada informação”. Dois conceitos, então, são fundamentais no processo comunicativo: compreensão e interpretação.
Quando a mensagem é transmitida pelo remetente, o destinatário, a princípio, precisa decodificá-la, isto é, reconhecer os símbolos utilizados na mensagem (sejam eles gráficos ou sonoros) e a relação deles com o significado. Depois disso, essa mensagem necessita ser compreendida, processo em que a temática e o assunto são reconhecidos e as inferências são requisitadas. Nesse momento, o destinatário ativa seus conhecimentos de mundo, para que o assunto possa fazer sentido e a mensagem, realmente, signifique para ele. Dessa forma, “a compreensão da mensagem reclama aptidões que englobam processamento de informações e conhecimento da estrutura da língua e do mundo que o cerca” (MEDEIROS; HERNANDES, 2004, p. 210).
Estabelece-se, então, a compreensão quando, como afirmam Rosa e Landim (2009, p. 144), há uma “tentativa de tornar comum os conhecimentos, as ideias, as instruções, ou qualquer outra mensagem, seja ela verbal, escrita ou corporal”. A partir dessa troca, espera-se que o destinatário seja capaz de avaliar a mensagem que recebeu, de pensar criticamente a respeito dela, de julgar ser favorável, contrário ou imparcial ao conteúdo, às opiniões, aos argumentos do remetente. Instaura-se, assim, no processo comunicativo, a interpretação da mensagem. É importante reconhecer que a interpretação não é única, e sim específica a cada destinatário, uma vez que está relacionada aos conhecimentos e à bagagem dele. Sendo assim, a construção da mensagem pelo remetente deve ser elaborada de modo que, além de significar, possa ser interpretada, da maneira como ele pretende, pelo destinatário. Para isso, é fundamental, na construção da mensagem, um trabalho argumentativo.
Segundo Zanini (2017, p. 48), produz-se argumentação mediante acontecimentos, comprovações, explicações que pretendem convencer o destinatário de que o posicionamento do remetente (daquele que constrói a mensagem) é o que deve ser considerado e o que tem credibilidade. A presença de argumentos na transmissão da informação tem, então, o intuito de convencimento, de persuasão. Para tanto, como apresenta Platão e Fiorin (1996), o remetente pode fazer uso, dentre outros, de
Baseando-se nesses tipos de argumentos, o remetente produz sua mensagem, com intuito de persuadir o destinatário. Em síntese, quando o remetente envia uma mensagem, ele espera que o destinatário possa compreender os argumentos utilizados e interpretar a informação, dando credibilidade à opinião do remetente, fazendo com que o propósito da comunicação (produzir sentidos e gerar respostas) possa ser atingido e, com isso, ter qualidade na comunicação, assunto de nosso próximo tópico.
Comunicar, etimologicamente, significa tornar comum. A comunicação faz parte do processo de evolução do ser humano. Podemos dizer que a humanidade só evolui, porque o homem passou a se comunicar. Caminha e Silva (2015, p. 3) entendem a comunicação
como o processo de troca de significados entre indivíduos por meio de um código comum – signos, sinais, símbolos, linguagem falada ou escrita. Envolve a transmissão de mensagem entre uma fonte e um destinatário. A partir dessa concepção vemos delineados os dois principais personagens do processo de comunicação, o transmissor ou emissor - que é a fonte da informação - e um receptor, ao qual se dirige a mensagem.
As autoras completam ao dizerem que
o processo de comunicação permeia por várias diretrizes como a linguística, a semiótica, os processos de evolução social, a tecnologia. Enquanto o homem vivia no estado de barbárie – cidades organizadas sem posicionamento político – bastava-lhe para sua sobrevivência sistemas rudimentares de comunicação (CAMINHA; SILVA, 2015, p. 4).
Hoje, considerando que somos seres que praticam a comunicação, necessitamos, então, de uma maneira para realizar esse processo com qualidade, haja vista que, se identificarmos uma forma para expressar claramente nossa mensagem, mais resultados obteremos disso.
Como vimos anteriormente, no processo comunicativo (ilustrado na Figura 2.1), um emissor codifica sua mensagem e a envia por meio de um canal para seu receptor decodificá-la e, assim, elaborar uma nova mensagem, que será o feedback do emissor. Quanto maior a qualidade na mensagem do emissor, mais precisão o receptor terá ao decodificá-la e, consequentemente, o retorno do emissor será mais satisfatório.
Entendemos, prezado(a) aluno(a), que, para obtermos êxito naquilo que escrevemos/falamos, devemos fazer uma comunicação de qualidade. Como, então, ter qualidade na comunicação? Uma boa comunicação necessita de clareza, concisão (não divagar e não inserir muitas informações complementares antes da informação principal), saber se adaptar às diversas situações comunicativas, boa argumentação e coerência. Busca-se, assim, que a comunicação faça sentido a todos os envolvidos no processo.
No Quadro 2.2, Brizon (2016, on-line) aponta algumas falhas que podem ser evitadas na comunicação.
Quadro 2.2 – Evitando falhas na comunicação
Fonte: adaptado de Brizon (2016, on-line).
A partir do quadro de Brizon (2016, on-line), pudemos, então, caro(a) aluno(a), perceber falhas que ocorrem na comunicação, por meio, por exemplo, da ambiguidade, da redundância e da incoerência, e, ao compreendê-las enquanto falhas, podemos evitar que elas ocorram.
Os ruídos são as interferências que prejudicam o entendimento da mensagem que se pretende passar ao receptor. Vejamos a Figura 2.6 que tem o processo da comunicação sofrendo a interferência dos ruídos.
Por algum motivo, ao emitir a mensagem, o emissor não conseguiu traduzi-la com clareza e gerou o primeiro ruído. Ao decodificá-la, ocorreu um novo ruído, visto que a interpretação do receptor não foi a desejada pelo emissor. Logo, o retorno dado por ele não pode ser o almejado, uma vez que a mensagem não foi entregue com qualidade.
No Quadro. 2.3, Brizon (2016, on-line) apresenta exemplos de ruídos na comunicação.
Quadro 2.3 – Ruídos na comunicação
Fonte: Brizon (2016, on-line).
Tomando por base Brizon (2016, on-line), entendemos que os ruídos podem ocorrer não apenas de forma física, como também fisiológica, psicológica, semântica e, ainda, por pessoas.
Maurício Gois - que é empresário, palestrante, autor e estrategista – elenca 21 ruídos que podem acontecer na comunicação verbal, enfraquecendo a realização do seu trabalho. Veja em: <http://www.editoraproexito.com.br/wp-content/uploads/2012/06/33.pdf>.
A língua, enquanto atividade social, é
um conjunto de usos concretos, historicamente situados, que envolvem sempre um locutor e um interlocutor, localizados num espaço particular, interagindo a propósito de um tópico conversacional previamente negociado. [...] é um fenômeno funcionalmente heterogêneo, representável por meio de regras variáveis socialmente motivadas (CASTILHO, 2000, p. 12).
Isto é, devemos considerar que a língua poderá sofrer mudanças no espaço e no tempo, uma vez que ela é heterogênea e pode, então, sofrer alterações.
Leite e Callou (2002, p. 12) ressaltam que “um território com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, com uma população hoje estimada em 170 milhões de habitantes – com índice ainda alto de analfabetismo – não poderia apresentar um quadro linguístico homogêneo”. As autoras completam:
a diversidade que existe em qualquer ponto espelha uma pluralidade cultural e não se pode presumir para expansão do português no Brasil uma forma linguística única, pois a época em que se deu a colonização, a origem dos colonizados e as consequências linguísticas de um contato heterogêneo são aspectos que devem ser considerados (LEITE; CALLOU, 2002, p. 12).
Considerando o exposto por Leite e Callou (2002), é possível perceber os motivos que fazem com que, em nosso país, haja tantas variações na língua. As pessoas, contudo, nem sempre consideram certas essas variações e buscam, muitas vezes, na gramática, uma forma de desconstruir as construções de outras regiões. Bagno (2008, p. 69) enfatiza
que é preciso ensinar a escrever de acordo com a ortografia oficial, mas não se pode fazer isso tentando criar uma língua falada “artificial” e reprovando como “erradas” as pronúncias que são resultado da história social e cultural das pessoas que falam a língua em cada canto do Brasil.
Ou seja, para Bagno (2008), embora seja necessário ter uma forma oficial para que a escrita seja ensinada, é preciso reconsiderar as formas variadas de comunicação. Veremos, a seguir, que essas mudanças podem ocorrer, especialmente, por meio de variações geográficas, variações sociais ou variações estilísticas.
Essa variação está ligada com as diferenças na fala que são determinadas pela região. Isso vale tanto para variações de um país para outro, por exemplo, Brasil e Portugal, quanto para variações de falantes de regiões distintas, como Sul e Nordeste.
No caso do Brasil, percebemos claramente que existem diferenças, por exemplo, entre os falares gaúcho, paulista, carioca, baiano etc., assim como também percebemos diferenças entre a fala de indivíduos provenientes de zona rural e a de indivíduos urbanos nas diferentes regiões. As variações regionais ocorrem em todos os níveis linguísticos [...] (GÖRSKI, 2009, p. 77).
Essas diferenças podem ser notadas em expressões, nome dado a objetos e alimentos, gírias, bem como no sotaque que cada uma das regiões apresenta.
Com relação à variação social, Mateus (2005, p. 11) nos diz que
o modo como nos dirigimos a pessoas hierarquicamente superiores é diverso do que usamos para falar com aqueles que nos são familiares. Um locutor de televisão utiliza expressões que não empregaria no seu dia a dia, e que são diferentes, até, das que usa um locutor de rádio. O uso oral de uma língua distingue-se do seu uso escrito. Uma conversa através da Internet tem, por seu lado, características particulares em consequência da adaptação a este recentíssimo meio de comunicação.
Para Görski (2009, p. 77), essa variação
está relacionada a fatores concernentes à organização socioeconômica e cultural da comunidade. Entram em jogo fatores como a classe social, o sexo, a idade, o grau de escolaridade, a profissão do indivíduo. São exemplos típicos de variação social: a vocalização do -lh- > -i- como em mulher/muié; a rotacização do -l- > -r- em encontros consonantais como em blusa/brusa; a assimilação do –nd- > -n> como em cantando/cantano; a concordância nominal e verbal como em os meninos saíram cedo/ os menino saiu cedo.
As marcas da variação social se apresentam, assim, tanto na classe social da qual o indivíduo é pertencente como em relação ao seu sexo, sua idade, sua escolarização e, inclusive, sua profissão.
Göeski (2009, p. 77) apresenta um ponto importante para pensarmos referente à variação:
tanto a variação geográfica como a variação social estão intimamente associadas às forças internas que promovem ou impedem a variação e a mudança e à identidade do falante. É como se o indivíduo, ao manifestar-se oralmente, já revelasse a sua origem regional e social. É como se ele, pela sua forma de falar, se identificasse como pertencente ou não a determinada comunidade e a determinado grupo social.
Pela fala da autora, podemos inferir que essas marcas da variação, tanto geográfica quanto social, são, de certa forma, identidades de seus falantes que, ainda que tentem camuflar sua origem, acabam por dar sinais de sua região e/ou grupo social de origem.
No que tange à variação estilística, Göeski (2009, p. 78) expõe que,
em contextos socioculturais que exigem maior formalidade, usamos uma linguagem mais cuidada e elaborada – o registro formal; em situações familiares e informais, usamos uma linguagem coloquial – o registro informal. Mas, o que observamos na prática é que as situações cotidianas de interação são permeadas por diferentes graus de formalidade, mais do que por uma oposição polarizada.
Ao pensarmos, por exemplo, em um julgamento que ocorre em um tribunal, não podemos imaginar outro diálogo senão aquele formal, recheado de termos próprios da área de direito que, muitas vezes, para os leigos, se faz de difícil compreensão, mas que, naquela situação, não pode, nem deve, ser exposta de outra forma. O mesmo não aconteceria, hipoteticamente, em um diálogo entre pai e filho, ainda que o pai fizesse uma correção na conduta do filho, visto que, em ambiente familiar, a linguagem coloquial é a que melhor se adéqua.
Ainda nas palavras de Göeski (2009, p. 78), percebemos que,
nas várias formas de interação, a língua que utilizamos muda, de alguma maneira, para adaptar-se ao interlocutor e ao contexto de situação. A variação, portanto, é inerente à fala e à própria comunidade de fala e está relacionada aos diferentes papéis sociais exercidos por cada um dos participantes.
A variação pode proporcionar uma comunicação não satisfatória, por exemplo, quando os falantes não compartilham o mesmo léxico, o que causaria um ruído. Não podemos considerar, porém, que essa variação é apenas prejudicial para a comunicação, pelo contrário, ela evidencia a riqueza da língua, do sistema linguístico e dos contextos comunicativos.
Considerando os tipos de variações, podemos concluir, querido(a) aluno(a), que não faz sentido mantermos o preconceito linguístico, seja ele pelo sotaque regional que a pessoa carrega, seja por marcas de níveis sociais – principalmente aquelas que marcam um nível menor de escolaridade –, de gênero ou idade. Diferente da estilística, o respeito ao outro cabe em todos os lugares.
O conhecimento serve para encantar as pessoas, não para humilhá-las (Mário Sérgio Cortella).
Para pensar melhor a respeito das questões abordadas referentes ao processo comunicativo, à qualidade na comunicação, aos ruídos e à variação linguística, assista ao filme Narradores de Javé, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_zoHRblRIGE>.
Com relação à norma padrão, Leite e Callou (2002, p. 15) pontuam que
a hegemonia da língua portuguesa não dependeu de fatores linguísticos, mas sim históricos, e só nos dois últimos dois séculos e meio ocorreu uma normatização do português falado no Brasil em direção a um chamado “padrão”, que, apesar de intrinsecamente variado e regional e socialmente, passou a gozar de prestígio e a representar a “norma” para o bem falar e o bem escrever.
Corroborando essa ideia, Görski (2009, p. 78-79) mostra-nos que,
quando nos reportamos à gramática normativa, de imediato nos vem à mente a palavra “norma”. Em termos gerais, a noção de norma corresponde à regra. No caso da gramática normativa, trata-se de prescrição de regras a serem seguidas sob pena de se incorrer em erro. Mas, no âmbito dos estudos linguísticos, a norma diz respeito à língua em funcionamento nas mais diferentes situações comunicativas.
A norma padrão é necessária para definirmos o modelo ideal de escrita, o que não significa, todavia, que essa escrita seja absoluta. Para Mateus (2005, p. 15), “a existência de uma norma padrão é necessária como referência da produção linguística e como garantia da aceitabilidade de um certo comportamento no contexto sócio-cultural em que estamos inseridos”. Ou seja, precisamos da norma para que aquilo que produzimos seja melhor aceito, mas isso não anula as variações linguísticas que ocorrem.
A noção de norma padrão, por vezes, confunde-se com a de norma culta. Görski (2009, p. 80) define alguns pontos que aproximam as duas normas:
(i) A regra básica de concordância verbal normatizada em português é que o verbo deve concordar com o sujeito; a norma culta também contempla essa regra de concordância, pelo menos quando se trata de ordem SV (sujeito-verbo) como em Os meninos chegaram. (ii) A regra padrão de concordância nominal é que os elementos determinantes e modificadores devem concordar em gênero e número com o núcleo nominal dentro de um sintagma; a norma culta efetiva esse uso, pelo menos em sintagmas nominais simples como em meus filhos pequenos.
Há, ainda, os pontos que as diferem:
(i) A regra geral de colocação do pronome átono (clítico) é a ênclise, como em Ele veio interromper-me; porém, salvo alguns poucos casos, a tendência de uso do brasileiro é a próclise: Ele veio me interromper. (ii) A expressão do tempo verbal futuro do presente é feita, na norma padrão, mediante a desinência –rei (cantarei); na norma culta encontramos o uso generalizado da perífrase ir + INF (vou cantar). (iii) A norma padrão prevê a omissão dos pronomes sujeitos, uma vez que a informação número pessoal já aparece na desinência verbal (estudo; estudas); a norma culta tende a realizar o sujeito (eu estudo; tu estudas) (GÖRSKI, 2009, p. 80).
A autora conclui afirmando que “nem a norma padrão nem a norma culta equivalem à língua portuguesa: a primeira corresponde a um ideal abstrato de língua tida como correta; a segunda, a uma variedade da língua portuguesa” (GÖRSKI, 2009, p. 80-81). Assim, caro(a) aluno(a), podemos considerar que a norma padrão é relevante para a língua, visto que, por meio dela, podemos adotar uma escrita que será aceita em diferentes meios e compreendida por diversos sujeitos, facilitando a comunicação.
Em 2011, uma grande polêmica foi gerada no Brasil após o MEC disponibilizar para estudantes livros com erros gramaticais e alegar que a intenção foi mostrar que há mais de uma maneira de se falar corretamente. Leia a matéria que explica o caso disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/mec-distribui-livro-que-aceita-erros-de-portugues-2789040>.
Nome do livro: As funções da Linguagem
Editora: Ática
Autor: Samira Chalhub
Comentário: O livro “As funções da linguagem”, de Samira Chalhub, discute, com riqueza de detalhes, os assuntos sucintamente abordados nesta unidade. A leitura é recomendada para aprofundar os conhecimentos iniciados neste material. Consulte o livro disponível em: <http://www.academia.edu/7035604/Samira_Chalhub_Funcoes_da_Linguagem>.